Dual Identity – Dual Identity (CF 172)
Tenho a perfeita consciência de que algumas das críticas reticentes ou mesmo negativas que hoje verto em Jazz 6×6 em relação a certos discos que este mês nos couberam colectivamente avaliar, vão marcadas por algum azedume quiçá ligado à falta de paciência deste velho maniento e rabugento, sempre em vésperas de retirada e descansada reforma.
O certo é que me custa sobretudo ver o talento desaproveitado e como que até refreado pelos próprios criadores de quem tanto sempre espero e que às vezes (felizmente poucas) me deixam desiludido e perplexo com obras cuja qualidade é apenas mediana mas podem surgir aos ouvidos mais incautos, até por um fenómeno de moda, como a maior das descobertas e invenções.
Ao contrário, não tem até agora acontecido esse tipo de desilusão a propósito das obras discográficas de dois músicos que nos últimos anos dei por mim a admirar e que curiosamente incorporam nas suas estéticas alguns dos traços mais inovadores do jazz actual: os saxofonistas Steve Lehman e Rudresh Mahanthappa.
Por exemplo, a presente gravação que é o resultado da feliz e oportuna edição em disco pela independente portuguesa Clean Feed da música que foi tocada em palco pelo Quinteto Dual Identity no festival Braga Jazz do ano passado, ao qual tive o gosto de assistir, preserva no presente e para futuro um dos mais importantes concertos realizados entre nós em 2009 e ao mesmo tempo um dos mais estimulantes exemplos de como o jazz está constantemente inquieto na sua multíplice evolução.
Como tive oportunidade de escrever a propósito desse mesmo concerto, é preciso «reconhecer que o nome-de-guerra Dual Identity é, de facto, um achado de aguda oportunidade (e, ao mesmo tempo, uma panóplia de significados e um mundo de potencialidades), pelas múltiplas vertentes que logo à partida possibilita. Em primeiro lugar, porque associa na “frente de sopros” dois saxofonistas de primeiríssima água: o cada vez mais maduro e soberano Steve Lehman e o sempre aventuroso e surpreendente Rudresh Mahanthappa; depois, porque, tocando ambos sax-alto (mas buscando e encorpando o som de forma inteiramente diversa), essa identidade dual mais facilmente se constrói (e ao mesmo se desconcerta e conflitua) na permanente e criativa interacção dos dois grandes músicos (…), de ambos com os restantes três companheiros de palco (…); e finalmente, ideal dos ideiais, de todo o quinteto com o próprio público! Melhor ainda: essa tal identidade dual, assim entendida, não é susceptível de desvendar-se, apenas, a um nível puramente instrumental (a face mais audível, material e imediata dos dois saxofonistas), o que nos leva a poder imaginar que, tivessem estado lado a lado um tenor e um alto, e jamais a dualidade teria sido esta mas sim outra! Mas ela deixa-se descobrir, ainda, em termos conceptuais, fornecendo sempre adubo a um terreno movediço, por vezes aplanado num aparente continuum em largas passagens de uma música altamente rigorosa e estruturada, outras vezes eriçado, nas escolhas e pelos escolhos individuais e colectivos, através de desbragadas improvisações sem fim à vista, crescendi de grande intensidade e à beira de entusiasmantes situações de climax, naquela que foi a revelação e a explanação de uma outra e nova forma de disseminar a acumulação de uma cultura jazzística específica e inequívoca, com as suas várias tradições, e ainda capaz de integrar, de forma dispersa, sinais de culturas-outras, como a judaica ou a hindú, que também estão nos genes desta Dual Identity.»
Sentindo-me incapaz de reformular de forma diferente o que então de forma assim convicta expressei sobre este concerto (agora tornado disco), aconselho o leitor a debruçar-se sobre o que de novo e diferente os meus caríssimos colegas de Jazz 6×6 terão aqui ao lado para dizer.
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